terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A Aldrava


Numa manhã chuvosa de março morreu Elizeu.
Era um tempo no qual se seguiam as Folhas de Mariana para arar, adubar, plantar, capinar e colher.
Dois casamentos, 23 filhos (na virada do Milênio esses 23 filhos, legítimos, haviam gerado 73 netos).
Em vida, no fim de tarde – ensolarada, nublada ou chuvosa –, Elizeu saia em seu Pampa.
Cada dia da semana tinha um compromisso a noite:
- casa paroquial com o Padre da cidade, no domingo;
- sociedade musical, na segunda;
- baile, na terça;
- câmara dos vereadores, na quarta;
- sociedade francófona, na quinta;
- cinema, na sexta;
- casa das tias, no sábado
- e no domingo o ciclo se reiniciava, constante.
Elizeu retornava para a fazenda, religiosamente, às 22 h.
Abria a porta da cozinha, dava Boa Noite ao Pampa, e ia conversar com os filhos, que ainda vivessem ou estivessem na sede da fazenda.
Em uma manhã chuvosa de domingo, após tomar um farto café – com broa de fubá, pão de queijo, café de garapa e leite quente, natural –, observando filhos e empregados tirarem leite no amplo curral enlameado e cercado com madeira nativa de lei, Elizeu faleceu na varanda, fumando um cigarro de palha, feito com fumo de corda, e com a Bíblia no colo, aberta no Evangelho de São Mateus, na genealogia de Jesus.
A família e os amigos respeitaram seu modo de viver.
 Elizeu foi enterrado sem pompa, nem circunstância, mas com a devida vênia. Carpidos e lamentos se ouviram.
Na noite de segunda,  no dia do enterro, às 22 h, ouviu-se um som de ferro com ferro na aldrava. Não se ouviu nenhuma voz.
Em uma família de boiadeiros, vaqueiros, lavradores, pedreiros, marceneiros e afins, o som agudo foi assombroso, fazendo tremer a fundação da casa erguida 30 anos antes.
Noite após noite, durante uma semana, a viúva, filhos e filhas recolhiam-se em temor ao ouvir o barulho da aldrava.
Na missa de sétimo dia, a viúva narrou ao Padre o acontecimento, o ...

(continua assim que tiver comentários, hehe).
por Vanres.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

a casa

a casa
              enfim acessível
as gretas
o muro
     chapas de concreto armado
            ressecado aqui
            empenado ali
            mofado lá
            apodrecido acolá

os vãos

as portas e janelas
              finalmente abertas
cozinha
sala
biblioteca
escritório
quartos
banheiros
                    decoração de outra época
    fissuras
        as paredes trincadas
        as colunas de madeira carunchadas
antigas
fendidas

o sótão
por dentro e por fora
pela portinhola e pelo vitrô
ainda
fechado
            com cadeado e ferrolho
lacrado
com metal forjado
                protegido
                    com sensores e dinamite

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Uma tortuosa viagem

       20/10/2012
Uma tortuosa viagem
    de Sampa a Tiradentes
                                   490 km
                                     80 dias
curioso
    perplexo
       encanecido

rastros de um desejo
    antigo
            inventado no instante
            ancorado na tradição

dores
 dúvidas
    humores

fuga    
   de quimeras
busca
   de ilusões

    estar ou
não estar
        Eis a questão!

20/10/2012 06:57
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