quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.








Em A Identidade cultural na Pós-Modernidade (2003), Stuart Hall busca avaliar se estaria ocorrendo uma crise com a identidade cultural, em que consistiria tal crise e qual seria a direção da mesma em momento pós-moderno. Para efetivar tal intento, analisa o processo de fragmentação do indivíduo moderno enfatizando do surgimento de novas identidades, sujeitas agora ao plano da história, da política, da representação e da diferença. A preocupação de Hall também se volta para o modo como haveria se alterado a percepção de como seria concebida a identidade cultural.




Todos esses aspectos constituem-se como fases de um procedimento analítico que intenta descrever o processo de deslocamento das estruturas tradicionais ocorrido nas sociedades modernas, assim como o descentramento dos quadros de referências que ligavam o indivíduo ao seu mundo social e cultural. Tais mudanças teriam sido ocasionadas, na contemporaneidade, principalmente, pelo processo de globalização.




A globalização alteraria as noções de tempo e de espaço, desalojaria o sistema social e as estruturas fixas e possibilitaria o surgimento de uma pluralização dos centros de exercício do poder. Quanto ao descentramento dos sistemas de referências, Hall considera seus efeitos nas identidades modernas, enfatizando as identidades nacionais, observando o que gerou, quais as formas e quais as conseqüências da crise dos paradigmas do final do século XX.








Hall estabelece uma relação, praticamente direta, entre as mudanças nos conceitos de identidade e sujeito abordadas, nos capítulos I e II, e as conseqüências da globalização para a Identidade Nacional, a respeito da qual Hall passa a discorrer no capítulo III. Tal relação não nos parece ser tão clara entre identidade nacional e identidade cultural não nos parece ser tão natural.




A análise da identidade cultural empreendida por Hall é iniciada com uma descrição das mudanças conceituais quanto ao que se entenderia como sujeito e identidade. Quanto ao sujeito, Hall afirma que com o colapso do sujeito pré-moderno – da ordem social, econômica e religiosa medieval – surge o Sujeito Iluminista, o qual teria uma noção de individualidade, possuidor de uma identidade estável e um centro essencial ao longo da existência. No século XIX tal sujeito passou a se considerado em sua interatividade com a sociedade, em tal concepção passa a ser concebido como um sujeito sociológico, este sujeito seria um “eu real” que se formaria e se modificaria no diálogo com o mundo pessoal e público. Este sujeito sociológico ainda era tido como possuindo uma identidade unificada, contudo sofreria mudanças drásticas durante o século XX passando a ser concebido como um composto de várias identidades contraditórias e não resolvidas na contemporaneidade. Momento em que considera-se que o sujeito estaria jogando com suas identidades, podendo se identificar com categoria identitária diversas em momentos distintos, em um processo de constante sobredeterminação. O sujeito pós-moderno teria se desenvolvido, principalmente, com a multiplicação dos sistemas de significação e com a ampliação dos modos de representação cultural na modernidade tardia.









Cinco grandes avanços da teoria social e das ciências humanas são apresentados como sendo responsáveis pelo descentramento do denominado “sujeito cartesiano”: a partir de Marx, Althusser questiona a essência universal do homem como atributo de um indivíduo singular; com a releitura lacaniana da teoria psicanalítica do inconsciente de Freud surge a noção da identidade formada a partir de um processo de complexas negociações psíquicas inconscientes; a argumentação de Saussure de que a língua é sistema social e não individual, constituído de uma ampla gama de significados arbitrários que preexistem ao falante, Derrida acrescenta considerações quanto a impossibilidade de fixar significados de forma definitiva, ou original, já que tudo o que falamos possui um antes e um depois, tal qual a identidade; o quarto deslocamento é perpetrado por Michel Foucault, em sua “genealogia do sujeito moderno”, na qual afirma que as técnicas das instituições coletivas envolvem a aplicação do poder e do saber que “individualiza” ainda mais o sujeito e controla seu corpo pelo exercício do poder disciplinar, para torna-lo um “corpo dócil”; o último descentramento é efetivado pelo feminismo, tanto como prática quanto como teoria, bem como pelos distintos movimentos sociais que apelam para a identidade social de seus adeptos e possibilitam o surgimento das chamadas “políticas de identidade”. Esse é o “sujeito pós-moderno” descentrado é resultado de mudanças estruturais e institucionais da modernidade tardia.




Já no terceiro capítulo, Hall volta-se para a análise da identidade cultural desse “sujeito fragmentado”, enfatizando a identidade nacional. Estas formam-se e transformam-se nas representações das culturas nacionais. A nação é tratada como possuidora de uma natureza essencial, que gera um sentimento de identidade, além de lealdade regional e étnica. Essas nações, comunidades imaginadas e simbólicas, influenciam e organizam tanto as ações quanto a concepção que as nações tem de si mesmas e de como se diferenciam das outras nações a partir da comparação por distinção. O ensaísta afirma que uma cultura nacional é, também, uma estrutura de poder cultural, pela hegemonia cultural que as nações ocidentais modernas exerceram sobre as culturas colonizadas. Além disso, a supressão da diferença cultural possibilitou a unificação das nações, compostas por diferentes classes sociais, grupos étnicos e religiosos. Por essas características, Hall afirma que a identidade cultural deveria ser pensada como um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou identidade. Esse dispositivo contribuiria para “costurar” as diferenças numa única identidade nacional, contudo essa identidade não subordina todas as outras formas particularistas de diferença, para Hall. Poderíamos considerar como toda identidade, não apenas a nacional, pressupõe o silenciamento de diferenças internas para possibilitar o consenso e a coesão de um grupo em seu confronto como o seu “outro”. A não-aceitação desse fechamento em uma identidade única para um grupo levou teóricas do feminismo como Judith Butler e Chantal Mouffe (Mariano, 2005) a não aceitar que se considere um sujeito do feminismo constituído a priori.




No quarto capítulo, Hall discute os efeitos da “globalização” sobre as identidades nacionais. Esse é um processo que atravessa fronteiras nacionais, integra e conecta comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo. Hall apresenta, então, os efeitos da globalização na localização e representação das identidades, pois todas as identidades estão localizadas no espaço e no tempo simbólicos, nas “geografias imaginárias” de Said. O espaço, pelo senso de lugar ou de lar, e o tempo, pelas ligações com um passado mítico e inventado.




De acordo com Hall, alguns teóricos argumentam que os processos globais enfraquecem as identidades culturais, devido à infiltração e a homogeneização cultural. Porém, ao mesmo tempo, outros afirmam que a globalização alarga o campo das identidades, quer sejam locais, regionais ou comunitárias. Há ainda segundo Hall, aqueles que consideram o surgimento de novas posições de identidades, mais híbridas, que possibilitariam “identidades partilhadas”. Nos termos dessa última abordagem da identidade cultural na pós-modernidade, as tradições específicas e todas as diferentes identidades podem ser traduzidas. “Tradução” é um conceito que descreve as formações de identidade de pessoas que dispersas de sua terra natal, intersectam as fronteiras nacionais.




Hall apresenta três qualificações principais contra a perspectiva de que a globalização solapa as identidades e a “unidade” das culturas nacionais, por meio da homogeneização cultural: a articulação da homogeneização global com um novo interesse no local; a desigualdade de distribuição da globalização ao redor do globo, devido à “geometria do poder”; e alem dessas a consideração de que a globalização seja “essencialmente um fenômeno ocidental”.




A migração da “periferia” para o “centro”, seria parte do processo de contra-tendência à homogeneização. Devido à migração formam-se enclaves étnicos minoritários no interior dos estados-nação do Ocidente que levam à “pluralização” de culturas nacionais e ao questionamento das identidades nacionais estáveis. Essa situação possibilitou a discussão do que é a identidade nacional e também da “centralidade” cultural do Ocidente, bem como do sentimento de ser parte de uma identidade nacional. Com a migração é questionado também o fechamento europeu às pressões da diferença, da “alteridade” e da diversidade cultural, devido sobretudo ao “racismo cultural”.




A migração influencia no fortalecimento de identidades locais e na produção de novas identidades, ao alargar o campo das identidades e produzir novas posições-de-identidade. Essas novas identidades emergem agrupadas em novos focos de identificação, não mais com a apreensão de que elas sejam cultural, étnica, lingüística, religiosa ou fisicamente a mesma “coisa”, mas elas se identificam pela forma como a cultura ocidental as vê e as trata como “a mesma coisa”.




As novas identidades não têm um caráter apenas político, pois estão articuladas ou entrelaçadas em identidades diferentes. Nessa situação, uma identidade, como a nacional, não anula as outras, mas muda constantemente pela forma como é interpelada como representa o sujeito. Ou seja, a estrutura da identidade permanece aberta em um jogo de identidade quer seja cultural, de classe, de gênero, de religião e de nação. Não haveria mais um princípio articulador e centralizador.




Hall afirma que os efeitos gerais da globalização sobre as identidades ainda são contraditórios, pois algumas identidades buscam resgatar sua “Tradição”, a unidade, já outras identidades aceitam que estão sujeitas à “tradução”, ao plano da história, da representação e da diferença. No último capítulo, Hall descreve o movimento contraditório entre tradição e tradução e a forma como isso influencia a conceitualização das identidades culturais na modernidade tardia.




O ressurgimento do nacionalismo europeu e o crescimento do fundamentalismo são movimentos que visam reconstruir identidades nacionais coesas, uma busca de retorno a tradição. Dentro das “fronteiras” da nação minorias identificam-se com culturas diferentes. Essa foi uma virada inesperada, pois tanto o liberalismo quanto o marxismo alegavam que o apego ao local e ao particular dariam vez a valores e identidades cada vez mais universalistas e cosmopolitas.. A reconstrução da tradição, a partir de idéias tanto de pureza racial quanto de ortodoxia religiosa, tem sido uma das mais poderosas fontes de contra-identificação em muitas sociedades pós-coloniais e do terceiro-mundo. Essas são tentativas de se “criar” novos e unificados estados-nações, que nunca formaram identidades culturais realmente unificadas. Ao mesmo tempo, os sujeitos “traduzidos” seriam obrigados a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimilados por essas culturas e sem perder completamente suas tradições. Essas culturas híbridas constituiriam uma das diversas identidades produzidas na modernidade tardia. O conforto da tradição seria desafiado pela necessidade de forjar-se uma nova interpretação baseada na tradução cultural.




Ao concluir sua análise da identidade cultural na pós-modernidade, Stuart Hall afirma que os desvios e deslocamentos da globalização parecem não produzir nem um categórico triunfo do “global” nem a persistência, em sua velha forma nacionalista, do “local”. A globalização pode ser desse modo compreendida como parte do lento, desigual e continuado descentramento do Ocidente, embora produzido pelo próprio ocidente.


ps. caso deseje continuar a leitura do resumo faça um comentário.

4 comentários:

Bier disse...

bom!

Unknown disse...

Adorei seu resumo e estou interessada em continuar a leitura...

roco disse...

Otimo livro

roco disse...

Mt bom